O Ípsilon do Público publicou hoje, 1 de Maio de 2020, um extenso artigo assinado por José Marmeleira e Lucinda Canelas, dedicado ao trabalho ou à sua interrupção, de alguns fotógrafos portugueses em tempos de COVID-19:
André Cepeda, António Júlio Duarte, Augusto Brázio, Catarina Botelho, Daniel Blaufuks, Edgar Martins, José Pedro Cortes, Manuela Marques, Paulo Catrica, Tatiana Macedo, Valter Vinagre e também Augusto Miranda, João Pina e Mário Cruz.
O título do trabalho é desafiante e a imagem que o ilustra também não o é menos. Foi escolhida uma fotografia da série perturbadora de retratos que Augusto Brázio tem vindo a publicar no seu Facebook.
Tenho procurado seguir 'passo-a-passo' o evoluir desse trabalho do fotógrafo natural do Alentejo (Brinches, Serpa), que recentemente conheci em Lagoa, no Algarve, durante os Encontros Internacionais da Política e da Imagem, e que até entrevistei para o jornal regional Barlavento.
Esta série de imagens está profundamente embebida por todo o fascínio do retrato e plena de incógnitas. Quem são os retratados de Brázio, duplamente escondidos nas máscaras e na (falta de) iluminação que frequentemente oculta partes dos seus rostos? Pessoas que o fotógrafo encontrou na rua e retratou com um mínimo de preparação, ou uma encenação quase levada ao absurdo, quase uma crítica velada ao medo que, de repente, se instalou entre tantos portugueses? São, muito provavelmente, estas perguntas sem resposta que não me deixam tirar os olhos de cada uma das imagens que Augusto Brázio vai fazendo desfilar nas redes sociais e que o Ípsilon agora colocou em evidência.
Na sua conversa com José Marmeleira, o fotógrafo deixou algumas pistas: Como é que posso pegar no que está a acontecer e colocar na minha visão? Estou, ao mesmo tempo, a trabalhar, a reflectir e a mostrar.
Estes retratos lisboetas de Augusto Brázio fizeram-me revisitar hoje, por alguns minutos, três livros editados por três fotógrafos portugueses do presente ou de um passado recente. olha para mim, do mesmo Augusto Brázio, editado em 2006 pela oficina do livro, Retratos, 1970-2018, de Alfredo Cunha, editado em 2018 pela tinta-da-china, e Revelações, do mestre Eduardo Gageiro, editado em 1995 pelo próprio fotógrafo. E revisitar igualmente os postais ilustrados da série Tochas, de Vasco Célio, que infelizmente nunca chegou a ganhar forma de fotolivro. Alfredo Cunha, note-se, tinha já publicado uma fotogaleria no Público online, com o seu olhar a preto e branco sem artifícios, sobre a pandemia em Portugal...
São três livros incontornáveis para a fotografia portuguesa actual editada. Três livros distintos, entre o rigor e o formalismo de Cunha, pelo subtil e criativo humor de Gageiro, até à sempre imprevisível irreverência de Brázio.
A verdade é que já lá estava um olhar singular, de fotógrafo-autor. Os retratos singulares dos singulares lisboetas protegidos do COVID-19 'até à medula' foram feitos pelo mesmo que um dia terá dito e repetido olha para mim. Em 2006, Eduardo Prado Coelho escreveu-lhe: Há (...) fotógrafos que continuam a perseguir o ser humano. E uma das vertentes do complexo trabalho de Augusto Brázio é precisamente essa. (...) Rostos, às vezes extremamente próximos, corpos para quem os lugares são cadências íntimas - é este o material essencial das imagens de Augusto Brázio. Mas por um enorme investimento formal, e muitas vezes por uma elaboração quase conceptual de cenários e enquadramentos, Augusto Brázio consegue avançar nessa espécie de território ilimitado que é o conhecimento do outro através daquilo que dele vemos.
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